Por Allan da Rosa
"Pedem um comprovante, Binho leva e volta com uma
exigência de novo atestado. O tal atestado vai e aí pedem uma conta carimbada.
Vai o borderô e Binho ganha a missão de levar um outro certificado. Levado esse
protocolo é a vez de esperar algumas semanas antes de reclamarem outro papel.
Há anos vai em arrasto de lesma a situação comandada pelas raposas pra soltarem
o divino alvará.
Isso pra funcionar o bar, onde acontece o Sarau do Binho. Só
que o bar do Binho é dele e de sua família, seu sustento. Mas o sarau não é
mais, há tempos. É praia e viela da comunidade, é centro cultural e fortaleza,
fórum e cozinha.
Doce contradição: este sarau, o mais antigo e dos mais
cooperativos de São Paulo, mesmo levando o nome de seu idealizador tem a agenda
guiada pela demanda da comunidade. Quase toda semana chega alguém, algum
coletivo, com um livro pra lançar, uma urgência pra debater, uma animação pra
projetar. O “Sarau do Binho” tem a pauta levada pela beirada da zona sul e não
é uma marca que visa crescer o ibope do Robinson. É um encontro com o encanto,
com estética, com a política.
Ali, toda segunda-feira, onde já passaram milhares ou
milhões de pessoas e nunca houve uma agressão física, acontecem cirandas, mesas
redondas, projeções de filmes, exposições de quadros e esculturas, apresentação
de teatro, rodas de capoeira. E além disso tudo, declamação.
Ali esquentamos e aprofundamos temas como o genocídio
indígena, o machismo assassino, os movimentos afro-brasileiros, a especulação
imobiliária, as diferenças entre educação oficial e comunitária, a tal
democracia representativa. Trocamos idéia e vivenciamos cultura nordestina,
argentina, japonesa, angolana, etc. Proseamos sobre nostalgia, espiritualidade,
paternidade, desespero... Ali também já vogou um naipe de debates sobre
questões estéticas como figurino cênico, direção teatral e dramaturgia,
realismo e fantasia em literatura, luz e roteiro em cinema, enquadro e
diafragma em fotografia, timbre e melodia em música, composição e volume em
artes plásticas, entre tantos. Entrelaçados e fundamentados por Poesia.
Ali construímos amizades sólidas e flexíveis, aprendendo a
apreciar, a perguntar e a discordar. Ali chegou gente de toda América do Sul,
do Norte, de África, da Europa, da Ásia. Veio até gente de outros bairros de SP
que parecem ser outro país.
Na atual gestão da prefeitura de São Paulo absolutamente
nada é decidido junto com o povo. Na virada do ano o orçamento daqui da região
da M´Boi mirim teve corte de 46%, já o de Pinheiros cresceu 12%. Assim bailamos
entre a correia da burocracia que paralisa e o chicote medroso dos
politiqueiros. Pra eles somos apenas a lista de despejados, a mira pra PM que
de novo chega em seu ápice homicida, a massa pra consumir show, a população na
sola dos coturnos das sub-prefeituras, todas hoje comandadas por coronéis e
marechais.
O lacre na porta do bar, a mordaça no sarau, tem a ver com o
perigo de nossa formação política, de nossa sensibilidade sendo educada,
autônoma?
Nossa garganta seca na sede de Poesia. Nossos ouvidos
queimam por tanta hipocrisia. Poesia de amor, de dúvida, de luta, de geografia,
de matemática, de solidão, de movimento.
Clamamos pela nitidez, pela definição nos processos de
recolha dos documentos exigidos para o alvará de funcionamento do bar do Binho!
Pelo retorno imediato do Sarau do Binho!"
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